sábado, julho 9

Artigo - Atualizações na Legislação


    O benefício de prestação continuada (art. 203, V, da CF) e o cálculo da renda familiar

     Em recente e importante decisão, o STF reconheceu a repercussão geral em recurso extraordinário referente à forma de cálculo da renda familiar para fins de concessão do denominado benefício de pretação continuada, concedido, no caso, a idoso. A decisão veio assim ementada: "Recurso extraordinário. Benefício assistencial ao idoso (art. 203, V, da Constituição Federal). Discussão sobre critério utilizado para aferir a renda mensal per capita da família da requerente. Alegação de inconstitucionalidade de interpretação extensiva ao art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003. Tema que alcança relevância econômica, política, social e jurídica e que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Repercussão geral reconhecida (j. 16/09/2010, DJE 08/10/2010)".
    Como se sabe, o benefício de prestação continuada (BPC) tem caráter eminentemente assistencial, estando previsto no art. 203, V, da CF, e regulamentado pelo art. 20 da Lei nº. 8.742/93 (LOAS), com as alterações advindas do Estatuto do Idoso (Lei nº. 10.741/2003). Trata-se da garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
    Pois bem. Nos termos do § 3º do art. 20 da LOAS, considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. O Estatuto do Idoso, por sua vez, determina que não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS o benefício já concedido a qualquer membro da família (art. 34, parágrafo único).

    Ora, não obstante a norma em comento seja clara ao excepcionar do cálculo da renda familiar per capita tão-somente o benefício concedido "nos termos do caput", isto é, o próprio BPC já percebido por um dos membros da família, começou-se, no dia-a-dia forense, a sustentar a interpretação extensiva do dispositivo, para o fim de abranger, também, benefício previdenciário já concedido a idoso, benefício assistencial concedido a pessoa com deficiência ou de qualquer outra situação não contemplada expressamente no Estatuto do Idoso.
A discussão reveste-se de extrema relevância, haja vista que, de acordo com dados fornecido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, no ano de 2010, mais de 3 milhões de pessoas foram beneficiadas com o BPC, o que representou aproximadamente R$ 20,1 bilhões. Além disso, não se pode jamais perder de vista que o BPC possui caráter assistencial, é dizer, integra o Sistema da Assistência Social, caracterizado, sobretudo, por ser não-contributivo (art. 203, caput, da CF).
    Os defensores da interpretação extensiva do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso alegam, por exemplo, que se a norma excepciona o BPC já concedido, com maior razão deveria também ser excluído do cálculo da renda familiar o benefício previdenciário no valor de 1 (um) salário mínimo, eis que o benefíciário, nessa caso, contribuiu para a Previdência Social, o que não ocorre com quem percebe o BPC.
O argumento é sedutor, mas não supera o óbice imposto pelo princípio da contrapartida, também chamado de princípio da fonte de custeio total (art. 195, § 5º, da CF), na medida em que implica extensão do BPC sem a indicação da correspondente fonte de custeio.
    Também não se pode olvidar a regra hermenêutica segundo a qual as regras excepcionais, ou restritivas, como essa do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, devem ser interpretadas restritivamente.
    Deve-se ter, em mente, sobretudo, que o Sistema da Assistência Social tem por fim proteger pessoas em situação de extrema carência e que aquele abrangido por qualquer tipo de benefício previdenciário já se encontra, de alguma forma, em contexto mais confortável que os demais.
Agora é esperar o Supremo decidir - o que está em jogo, aqui, é a coerência e a solidez do sistema da Seguridade Social.

*Ricardo Castilho, Jornal Carta Forense, quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário