domingo, fevereiro 9

A condenação do Auxílio reclusão: "A parte que ignoramos é muito maior que tudo quanto sabemos." *¹



 Há vários meses o auxílio reclusão vem sendo criticado de forma enfática nas redes sociais e outros meios de comunicação. É muito importante que opinemos sobre os temas da sociedade e sobre os gastos públicos, e nesse condão é que percebemos avanços no processo de cidadania. Porém, a interatividade proposta por mídias alternativas e o ambiente de posicionar de forma maniqueísta sobre diversos temas precisam ser vistos com cautela. Deixem-me explicar... as informações são sintetizadas e recortadas, o conhecimento acaba ser tornando superficial. A notícia mastigada é digerida e não confrontada com outras fontes e informações.
Assim, temos um fenômeno dessa nossa modernidade líquida que perpassa diversas áreas do conhecimento. No que se refere especificamente ao auxílio reclusão, temos outras peculiaridades mais. Esse benefício previdenciário se tornou foco de debates não só no ambiente de estudiosos da área, mas da população em geral. Mas por que somente esse benefício causou tanto interesse e opiniões fervorosas?
Bem, algo importante que permeia as críticas ao benefício é o aspecto emotivo, de combate à impunidade. O fato de a população saber que alguém que comete um crime, e é preso, receberá prestações pecuniárias do governo, é causa de revolta e reprovação. Ora, o trabalhador simples recebe um salário mínimo por um mês inteiro de trabalho e um criminoso preso recebe mais que isso? É, a informação é assim difundida e engolida por muitos, e as correntes de reprovação são constantes. Entre as diversas falácias temos que é pago diretamente a qualquer preso, informando erroneamente que seu valor é multiplicado conforme o número de filhos deste, podendo alcançar somas que chegariam a mais de 4,000 reais. Veremos abaixo quem realmente é beneficiário do auxílio reclusão, em que condições e qual a finalidade:

Aspectos legais para a concessão do auxílio-reclusão:

O dispositivo legal impõe algumas condições para a concessão do auxílio–reclusão que podem ser assim discriminadas:
  •    recolhimento efetivo à prisão;
  •   não recebimento de remuneração da empresa;
  •   não estar em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço;
  •   condição de segurado da Previdência Social do preso;
  •   concessão apenas àquele que receba remuneração até R$ R$ 971,78.

    O descumprimento de qualquer um dos requisitos anteriormente elencados, ainda que se respeitem os demais, importa na cessação ou não concessão do benefício.
   Após a concessão do benefício, os dependentes devem apresentar à Previdência Social, de três em três meses, atestado de que o trabalhador continua preso, emitido por autoridade competente. Esse documento pode ser a certidão de prisão preventiva, a certidão da sentença condenatória ou o atestado de recolhimento do segurado à prisão.
    
   De pronto,  duas informações são básicas e por vezes omitidas: Só os detentos que se enquadrarem nos requisitos acima, sendo o principal deles a condição de contribuinte da Previdência Social, permitem o gozo do benefício por parte dos dependentes de baixa renda.
 O valor do benefício é dividido entre todos os dependentes legais do segurado. É como se fosse o cálculo de uma pensão. Não aumenta de acordo com a quantidade de filhos que o preso tenha. O que importa é o valor da contribuição que o segurado fez. O benefício é calculado de acordo com a média dos valores de salário de contribuição.

Fundamentação Legal:

“Constituição Federal de 1988:
...
Art. 201. Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a:
I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, incluídos os resultantes de acidentes do trabalho, velhice e reclusão;

“Lei nº 8.213/91, Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências”:
...
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
I – pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-família e auxílio-acidente;
...
Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.

E a fundamentação Moral?

            Percebemos que as principais críticas são não em relação à legalidade do benefício, mas sim por sua moralidade. Para tal reflexão pensemos não apenas a figura do recluso, mas sim do contribuinte da previdência social que posteriormente é preso, esse contribuinte auferia alguma renda e sustentava uma família. Dessa forma, nos dispositivos legais acima notamos que a Previdência Social visa à cobertura dos riscos sociais, dentre eles a reclusão.
 A família não pode ser penalizada com a reclusão do seu principal provedor financeiro, é um risco social que se configura para os familiares de baixa renda, provavelmente ficariam na miséria. O fato principal para reflexão é a família desamparada com perda da fonte de renda, em razão da prisão do segurado.
 Antigamente, existia uma consciência coletiva de associar Previdência Social a aposentadorias e pensões, pois o auxílio-reclusão, pela sua característica diferenciada e menos usual no Sistema Previdenciário, certamente era pouco conhecido da sociedade brasileira. Porém, nos últimos anos, a Previdência Social tem investido, cada vez mais, na disseminação de informações sobre os direitos e deveres do segurado, com a finalidade de assegurar proteção social a todo cidadão. 
Dessa forma, provavelmente, uma das possíveis explicações para o crescimento do auxílio-reclusão tenha sido a evolução no grau de conhecimento do segurado sobre seus direitos e deveres em relação à Previdência Social. Outra possibilidade pode estar no aumento do número de detentos, que passou de 212 mil presidiários, em 2000, para 423 mil presidiários, em 2008 e 584 mil em 2013, segundo dados do Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça. Esse aumento decorreu tanto da elevação da criminalidade no país, como pela ação repressiva da polícia, que está mais eficiente, e, também, pela Justiça, apesar de ainda lenta, condenar cada vez mais pessoas ao cárcere.
Entretanto, cabe ressaltar que em 2012, segundo dados fornecidos pelo Boletim Estatístico da Previdência Social (Beps), o INSS pagou 33.544 benefícios de auxílio-reclusão na folha de janeiro de 2012, em um total de R$ 22.872.321. O valor médio do benefício por família, no período, foi de R$ 681,86. 
Já o valor total de benefícios concedidos pela Previdência Social no mesmo ano foi de R$ 461.763.528,00 (quatrocentos e sessenta e um milhões, setecentos e sessenta e três mil, quinhentos e vinte e oito reais). Diante deste montante, pode-se concluir que o valor de auxílios-reclusão representa somente 5,45% do valor total de benefícios concedidos pelo INSS no mesmo ano.
É importante destacar que o auxílio-reclusão não é um benefício assistencial, já que para o dependente fazer jus ao benefício é requisito essencial a qualidade de segurado do recluso. Se o trabalhador é contribuinte obrigatório do sistema de previdência e, independentemente do valor de sua remuneração, verte contribuições ao Regime, não há que se falar em benefício assistencial. Dessa forma, sob a ótica do social, a seletividade é fomento de exclusão e, do ponto de vista previdenciário, contraria qualquer princípio estabelecido para um seguro. Melhor e mais justo que limitar o acesso somente aos segurados de baixa renda teria sido impor um teto específico para o auxílio-reclusão.
 Repensarmos os critérios de concessão dos benefícios é pertinente, já que as demandas da sociedade são dinâmicas, contudo, não podemos buscar os extremismos como a proposta de emenda constitucional (PEC 304/2013), para acabar com esse benefício e instituir uma “bolsa-vítima”, para pessoas vítimas de crimes. Mais importante que querer fazer uma boa aparência com as milhares de críticas pejorativas, como denominado bolsa-bandido, é o Governo buscar esclarecer à população, para aí sim surgir uma reflexão com debate pertinente.                                                                                                                               
                                                                                                                                        Platão
 (Wesley França: Técnico do Seguro Social, Pós graduando em Direito Previdenciário, Administrativo e Constitucional, concurseiro, escritor amador e editor do blog)




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